Em 2081, no seu leito de morte - e quando já se discute a aplicação da fórmula para a vida eterna -, Amália Duarte está decidida a abandonar um mundo que já não reconhece.
Para partir em paz com a sua consciência, reúne os três netos e revela-lhes o segredo que escondeu ao longo da sua vida e que, de alguma forma, os implicava também a eles. Recuando ao atribulado início do século XXI, relembra o dia em que, impelida por uma rotina desencantada, pede demissão do emprego de sempre. Com a crise europeia a emoldurar um deprimente panorama, parte numa grande viagem com duas garantias - o desemprego e um futuro incerto - e uma certeza: a reinvenção urgente da sua própria vida.
"Fiquei com os olhos pregados no tecto e senti um vazio hediondo na alma, que ia sendo preenchido pela sensação de desgraça da minha própria vida."
Opinião:
‘A melhor quinzena de um século de vida’ de Vero Lua de Melo (Ana Pacheco, vimaranense) é um livro recém-publicado pela Chiado Editora e o primeiro da jovem autora.
Antes de tudo o resto que tenho a dizer sobre este livro, quero apenas afirmar perante todos aqueles que possam vir a ler este artigo que, do ponto de vista profissional, não tenho sequer voto na matéria. Sou única e simplesmente alguém que gosta imenso de ler e que tem aprendido algumas coisas, na sua grande maioria das vezes, através de conselhos que me dão (uma vez que também escrevo), dicas e chamadas de atenção dos meus leitores que me vão alertando para esta e aquela situação ora que não fazem sentido, ora que não estão muito explicitas, ora que não tiveram o sentido que era suposto ter. E falo de técnicas de escrita, diálogos, personagens, descrições, etc etc etc…
Volto a repetir, esta opinião é única e exclusivamente um ponto de vista, uma reflexão final sobre um livro que acabei de ler e não tem como finalidade ferir susceptibilidades nem sentimentos de ninguém, muito menos da autora, por quem tenho um imenso respeito.
Agora que estamos esclarecidos, vamos lá à opinião.
‘A melhor quinzena de um século de vida’ trata disto mesmo, um relato dos 15 dias da vida de Amália Duarte. Uma jovem vimaranense no pico da juventude que decide fazer a viagem da sua vida apesar de não estar a passar uma das melhores fases na conjuntura global. Na América, palco escolhido para a sua viagem, Amália conhece Eurico, um Conimbricense, que passa a ser o seu par nesta aventura e muito mais.
Pontos positivos:
Capa: Adorei o conjugar das cores. O preto mate e o laranja vivo chama atenção. Capta o olhar do leitor.
Título: Demasiado longo. Quando queria referir o livro a alguém com quem troquei algumas opiniões durante a leitura, tinha a ideia de que nunca mais terminava de escrever o título, pelo que comecei a dirigir-me ao livro como ‘a quinzena’.
História em si: Bom, vou optar por falar primeiro dos pontos positivos e depois dos pontos menos positivos/negativos, que infelizmente é o prato do dia em livros publicados por Vanities.
O destaque da cidade de Guimarães e tudo aquilo que a cidade berço tem para oferecer a todos que a decidam visitar.
A introdução à história é feita com uma dose de bom humor e boa disposição, captando o leitor a prosseguir na narrativa. Confesso que durante as primeiras vinte páginas achei a narrativa interessante, pelo menos o ponto inicial que me fez pensar que ia ter uma leitura futurista, tendo em conta o ano em que mesma começa a ser narrada (2081).
Gostei da escolha dos nomes dos personagens. Amália é um nome que por si só transpira Portugal, muito provavelmente por causa do monstro que foi e continua a ser Amália Rodrigues, eterna fadista. Eurico também. São nomes diferentes dos habitualmente escolhidos pelos autores que optam por nomes mais usuais.
Gostei também de alguns pontos focados e abordados pela autora nos relatos da viagem. Posso estar enganada mas a forma como procedeu ao relato revela uma experiência vivida. E sendo assim, aqui me confesso, que fiquei roída de inveja porque América é aquele destino que figura no topo da minha lista de destinos a viajar.
Pontos Menos Positivos/ Negativos:
Toda a narrativa é feita num uso abusivo de purple prose. Na crítica literária, diz-se que purple prose é quando o autor usa e abusa de uma escrita floreada, ornamentada e excessivamente extravagante. Onde foca todos os pormenores e mais alguns, como uma repetitiva chamada de atenção para o que está a narrar, e o que acontece quando esta técnica é usada de forma incoerente é que o leitor, com tanta descrição, floreado e extravagância de verbos e adjectivos acaba por perder o fio condutor da história, a essência principal perde-se como se estivesse num emaranhado de folhos e folhinhos escritos.
Purple prose leva-nos automaticamente à escrita em Tell, ou seja, ela debita as informações para a folha e relata o que se está a passar. Conta o que aconteceu e deixou de acontecer ao pormenor, mas não mostra. Não faz o leitor ‘viver’ as passagens por ela descrita, nem os acontecimentos, sentimentos ou emoções. Limita-se a ‘vomitar’ informação o que me leva a outro ponto: infodump.
Demasiada informação que não tem qualquer interesse para a história de Amália e Eurico. São informações que a autora achou que ficariam bem na sua ficção mas que serve apenas para ocupar a folha, aumentar o número de palavras escritas e encher capítulos. A tão conhecida ‘palha’ abunda neste livro de 366 páginas. É certo que aborda temas interessantes e faculta algumas informações de cultura geral, algumas curiosidades que até são aceitáveis mas o excesso de informações que na minha opinião quer estivessem escritas, quer não, não marcaram em nada a passagem das personagens pela américa, nem sequer ficaram retidas na minha memória. Dei por mim a pensar que devido à forma como a informação está despejada aqui que o título poderia muito bem ser alterado para ‘ Relato intensivo da melhor quinzena de um século de vida’.
Outro aspecto que não abona nada em favor desta obra é o uso exagerado e incoerente de expressões coloquiais, regionalismo e calão que até ficariam bonitos e porreiros não fosse o facto de as personagens que nos são descritas não combinarem com os seus diálogos onde abundam este tipo de expressões que acabam por criar situações ridículas e nada realistas.
Os diálogos entre as personagens (principais e secundárias) também não foram feitos da melhor forma. Ora são descritos e nos é indicado quem está a narrar, quando de repente, entram todas as personagens ao barulho numa conversa fiada e está tão confuso e tão estranho que o leitor fica perdido sem saber quem disse o quê sobre que tema.
O worldbuild deste livro é fraco e cheio de buracos. As personagens principais são as únicas que tem grande destaque, estão sempre no grande plano e todas as outras existem sem um propósito. Estão apenas a encher cenário, o que foi realmente uma pena. A autora tinha pano para mangas para dar mais vida às suas personagens secundárias.
A narrativa em si é monótona, com dois ou três twists em toda a sua narrativa, mais um ponto que a autora não soube aproveitar, já que se a história fosse abordada e se centrasse noutros aspectos que não o excesso de informação em demasia, teria certamente encontrado peripécias que poderia incluir e que daria um maior dinamismo à história.
As constantes repetições e uso desenfreado de clichês, ora de palavras, ora de expressões também não abona nada à narrativa. É cansativo quando lemos no mesmo parágrafo três ou quatro vezes a mesma palavra, o mesmo nome, a mesma acção. É importante para o autor não se esquecer de dinamizar o texto sem perder o fio condutor da história.
Outro aspecto que me levou quase ao estrabismo, foi o constante revirar de olhos a cada palavra assinalada com aspas à qual eu não resisto comentar com a tão conhecida expressão: Não havia necessidade, carago! O leitor não é burro e consegue perfeitamente perceber quando o autor/escritor está a fazer uma comparação, um trocadilho de palavras, a usar expressões que não são suas, etc etc etc. Há situações em que o autor pode explicar, caso a forma como escreve não esteja explícita mas, noutros casos, as informações apesar de não estarem descritas ao pormenor, estão implícitas e o leitor consegue chegar ao ponto da questão sozinho.
Virgulas, reticências, pontos exclamação, interrogação e travessões. Outro ponto em que a autora não teve uma fórmula de dosagem exacta. Tanto coloca virgulas a cada duas palavras como se esquece de as colocar. Reticências, idem. E as restantes pontuações também. Palavras escritas com maiúsculas para dar enfase à situação também me pareceu desmedido e desnecessário. Como disse o autor sabe o que se está a passar, consegue chegar à essência da situação sozinho.
A componente romântica desta história também me desiludiu. Por momentos, quando cheguei à página em que o casal passou a vias de facto (um dos twists da obra), desejei que com aquele envolvimento das personagens a história ficasse mais focada na relação deles e menos nos aspectos históricos e turísticos dos Estados Unidos América. Enganei-me redondamente e fiquei verdadeiramente emputecida com o desenrolar da relação deles. Faltou amor, paixão, carinho, cumplicidade. Eles davam-se bem a falar sobre história, fotografia e cultura. Então e o resto? Partindo do princípio que estão perdidamente apaixonados, esperava mais. Muito mais. Não houve lugar para uma troca de carinho após uma noite tórrida de sexo. Um beijo na testa pela manhã. Uma mão dada no resto da viagem, um abraço, uma química ardente que nos arrebatasse por completo... Nada que revelasse ao leitor que aqueles dois desconhecidos se tinham tornado um casal.
A personalidade da Amália revela-se um pouco incoerente mais ou menos a meio do livro. Porque tanto demonstra ser uma mulher adulta, culta e conhecedora do mundo como de repente tem atitudes um pouco preconceituosas. (Como a questão do Israelita a rezar no avião).
Já Eurico demonstra ser uma personagem bastante equilibrada que funciona como âncora e consciência destas tiradas fora de contexto da outra personagem principal.
Não gostei da parte final do livro. O desfecho é irracional e despropositado. As revelações que acontecem no último twist da obra demonstram como a escrita da autora ainda está verde. As informações sobre o gémeo de Eurico caem de pára-quedas na narrativa (tendo em quanto que numa determinada parte do livro, Eurico enaltece os valores e relação da sua família, fala da mãe, do pai e até dos funcionários da empresa da família e deixa o gémeo totalmente fora do contexto, não só é estranho como é incoerente) e a falta de dor, sentimento de perda, tanto demonstrado pela mãe de Eurico como pela própria Amália, deixaram-me triste com um livro que até tem uma ideia base porreira mas que não conseguiu chegar até mim em nenhum aspecto.
2* é o máximo que consigo atribuir a este obra e foi a minha cotação da mesma no
Goodreads.
Boas leituras,